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GRITO DOMINICAL #7: VEM SER MILITAR!

              Céu cinza, mar sombrio, água batendo forte nas pedras e um ronco ensurdecedor vindo das docas. Sem entrar no mérito da função ou necessidade dos quartéis, aqueles seres discutiam superficialmente sobre o tema gestão de pessoas em ambiente de polícia militar. O contexto era século XXI. A razão estava sentada à beira do rio mais largo que havia naquelas bandas. Era novembro de um ano repleto de acontecimentos estranhos entre os seres humanos, desde campanhas humanitárias a guerras santas e homens-bomba ao redor do mundo. Ao seu lado, ninguém. Ninguém - O que preciso para conhecer a dinâmica e o funcionamento dos quartéis? Razão – Certamente não recomendaria optar por uma breve pesquisa no meio militar. Provavelmente não chegarias à conclusão muito diferente de uma baita sensação de perda de tempo. Ninguém – Sério? Por quê? Razão - Primeiro porque deparar-se-ia com um ambiente onde forças que, em tese, deveriam estar imbuídas no desenvolvimento do aquartel
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Arremesso na Sexta #19: Tiro Seco

Hevaldo puxou o ar com força pelo nariz, desentupindo-o por dentro; em seguida, puxou um pigarro das profundezas e cuspiu o catarro no chão ao seu lado, sem a menor cerimônia. Passou a língua pelos dentes, olhando ao redor, para a área vazia embaixo da árvore, o chão de terra batida e a barraquinha que Elias chamava de bar, aquele salafrário ladrão. Palmeou as mãos na mesa áspera num gesto controlador. Inspirou gravemente. Na cabeça, pensamentos desconexos sobre como o mundo estava perdido, como todos naquele povoado eram devassos, fracos ou fofoqueiros - ou mais de uma dessas coisas ao mesmo tempo -, como a vida lhe era difícil e como seus filhos eram todos imprestáveis. No rosto, sucedidas expressões de desagrado e raiva acompanhavam os pensamentos. Hevaldo pegou o copo de cerveja já pela metade e o virou bruscamente na goela, fazendo uma careta em seguida e limpando a boca com as costas da mão, exageradamente. Deu um tapa violento na mesa e pediu a conta num grito gro

TÔNICA DA TERÇA #2: Virou

O grito saiu antes que a marca avermelhada tingisse o chão do banheiro. A tinta, era do batom de Cátia. O grito, era de Zélia, que em meio ao corre-corre deixou cair o item que havia pedido emprestado à prima querida. O socorro para se produzir numa noite tão especial, veio assim que Zélia se deu conta que tinha esquecido seu estojo de maquiagem em casa. Ao chegar na residência da prima, depois de ter conferido – três minuciosas vezes - o documento, a roupa, o perfume, o celular, os cartões, dinheiro trocado e as chaves, acabou se dando conta dessa desmemória. De súbito, agarrando o lencinho que usou para drenar o suor do rosto, Zélia raspou a ponta do que sobrou do tinteiro labial e em seguida se pintou, pressionou e abriu um riso falso para conferir se o branco dos dentes haviam saído ilesos da operação. Dois toques na porta e um giro na maçaneta apressaram-na ainda mais. Era a prima dizendo que não aguentava mais esperar. Já passavam das nove e trinta. Há uma hora atrás, Jú

GRITO DOMINICAL #6: A sociedade crônica

                                       "Acabar com a corrupção é o objetivo de quem ainda não chegou ao poder"                                         (Millôr Fernandes)     Se eu soubesse quem inventou política eu mandava matar! Esses malditos não sabem fazer outra coisa a não ser prometer, enganar e roubar. Detesto politicagem. Outro dia eu vinha caminhando pela calçada perto de minha casa quando observei uma dessas propagandas enganosas no out dor . O cartaz dizia em letras garrafais: “SEJA HONESTO.” Ao lado da frase havia a fotografia de um certo ex presidente. Virei a cara para não ter que continuar vendo aquela hipocrisia. Naquele mesmo instante vi cair do bolso de um cego uma moeda de 1 real. Como ele tinha uma cuia cheia de trocado, não percebeu a queda do ouro - aquele real valia ouro pra mim (risos) - e eu estava precisando exatamente de 1 real para inteirar o buzu. Disfarcei. Peguei rapidamente a nica e esperei para ver a reação do cego ou se

Sábado Cinza-Azulado #29 - O Aluno Sutil

Na entrada da sala, ao lado da diretora, Gaspar morria de vergonha. Em seu primeiro dia de aula na nova escola, não encontrava um rosto amigo aonde quer que olhasse. Sua família havia se mudado do interior para a capital em busca de melhora. Então, em pleno julho, eis Gaspar, ali, em seus onze anos, prestes a adentrar um contexto deveras diferente do seu, que ele deixou lá no sul da Bahia. A diretora o apresentou à classe, dando-lhe um leve empurrão nos ombros para que entrasse e se sentasse. Após breve aceno do garoto e certa indiferença da maioria da turma, Gaspar procurou por um lugar para se sentar, e não encontrou nenhum que não os que formavam, lá no fundão, uma linha, curiosamente completa, de carteiras vazias. Quando o pequeno se acomodou no meio daquela linha, não esperou atrair tantos olhares para si. Curiosamente, da professora ao aluno mais relapso, toda a classe parou para reparar em Gaspar, que ainda tirava, da mochila jeans surrada, seu material escola

Prosa de Quinta #16: O rosto

Há sempre alguma loucura no amor.  Mas há sempre um pouco de razão na loucura.  — Friedrich Nietzsche Para J. Quinto 1 Meu olhar varre as palavras do livro, enquanto aguardo o trem. “ Quis custodiet ipsos custodes? ” . Meditei sobre a sentença lida — de folga da farda, às vezes me dou o luxo de certos devaneios filosóficos. Contudo, não era o momento. Encerrei o pensamento sobre a necessidade de vigiar os vigilantes, uma vez que hoje precisava tomar uma atitude e minha mente devia focar só nisso. Você tem uma missão, soldado, pensei, respirando fundo.  Ao fazer a ronda do perímetro, o vigilante careca da estação da Lapa acenou com a cabeça para mim. Voltei a pensar nas palavras do poeta romano Juvenal, ao mesmo tempo em que tentava devolver o cumprimento. O olhar do vigilante era recriminador. Cessei meu pensamento, pois ele estava certo. No lugar dele também teria o mesmo olhar. Já era a vigésima vez, não é? No mesmo lugar por tantas horas . “Cara estranho